Wednesday, November 10, 2010

A internação

Sei que muitos falam que enlouqueci. Não me importo. Vozes eu ainda ouço à distânica, mesmo que não alinhadas em ondas; mesmo que dispersadas pelo vento. E aqui muito venta. A minha voz não é ouvida, mas por uma grande pena, também não é olvidada. Mais do que não ser ouvida, queria não mais ser lembrada. Ao menos, não podem me tocar, o que não canso de agradecer. Não podem me tocar, o que quer dizer que também não os toco. Uma Lei de Deus fala assim: se os toco, tocam-me; se me tocam, toco-os. E se a divina lei se cumprisse, eu os lepraria.
Alguns ainda me acenam. Posso ver a silhueta enegrecida de sombra, de braços erguidos, projetada à distância. Não lhes aceno. Prossigo acomodada num antigo banco de madeira, que ao sol escaldante, há anos resiste. Meus braços repousam, e nunca acenam. Talvez também me sorriem, mas risos e choros não se distinguem de onde os vejo. Silhuetas enegrecidas, se próximas, fariam resplandecer as lágrimas. Meu conforto é não vê-las, de onde, em repouso, as estou olhando.
De onde nunca sairei. De onde escuto ruídos e vejo sombras, de onde ninguém pode me tocar. Entre as duas margens do rio, atraquei meu barco à terceira, e aqui é o meu leprosário.

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