Saturday, November 13, 2010

Folhas do word

Vem do ecrã esse fascínio,
Essa vontade de te olhar?
Folhas brancas do Word, tabuladas,
Hipnóticas.
Mergulho na tua brancura,
Papel que não toco,
Enquanto me chama com teus inúmeros recursos.
Vem dos tubos dos raios catódicos
Teu poder de prender-me?
De me deixar mudo diante de ti e de mim?
Cavalgam os fantasmas na alma,
Mas meus dedos não se movem,
Alheios, cansados, fumando...
E tuas páginas sem fim,
Estão todas em branco.
Quantos enterês suportam essas folhas
Que se criam brancas sem cessar?
Passam correndo pelos meus olhos,
Clones brancos de esterilidade.
Nada há em ti, papel de mentira,
Que nem posso amassar.
Não te posso rasgar, nem te posso tocar.
Papel intangível. Maldição quântica!
Outrora te sentia, papel de verdade,
Por onde os dedos deslizavam tocando
Redes de celulose.
Agora, entre nós, essas teclas imundas,
Chamando dedos que não se movem.
Mas continuo, aqui, a te olhar,
Folhas brancas do Word... seguem brancas,
Fazendo-se virgens a cada delete.
Traiçoeiro sistema de elétrons.
Depois que o verbo partir,
Esgotado de tanto ser animus,
Encontra o des-animus e vai se render.
Não vai se fazer carne,
Vai se fazer fumaça
Vai embora diluir-se exausto.
O verbo é errante, move-se, gira,
Dispersa no ar, e vai embora
Deixando tudo mudo, estático.
O verbo não se deixa prender,
Não se satisfaz em cristais líquidos.
Quer voar, quer partir.
Verbo não vem de chip, nem de protocolos,
Não tem potencial que o limite.
Verbo é vento, vive solto,
E vai embora sem mim.
Vai embora sem ti,
folha do Word.

Não faço versos, luto com o ecrã.
E a luta vã prossegue em outros campos,
Do papel, antigo artefato sobre o qual se escrevia,
À pena, à lápis, à bic,
A luta vai se travar numa tela
Distante, fria, irreal.
Tento tocar as palavras e sinto elétrons;
Sinto poeira e um certo problema de aterramento.
Vejo palavras que vêm e palavras que se vão,
Não se sabe de onde nem para onde.

1 comment:

Fabrícia Alves said...

Fazendo belo, o intocável; dando vida ao impalpável, sem rabiscos tudo parece perfeito, mas por trás de cada verso pronto estará guardada a lembrança da marca da correção.